Friday, June 02, 2006

O Vale dos Tatuados


Hilário pediu que o grupo parasse e fez uma bela prece. Confesso que estava sentindo frio, pois o lugar foi ficando cada vez mais pavoroso, muito estranho. O vento soprava forte. Josué parou, pois dois homens se aproximaram de nós e nos cumprimentaram. Josué e Jessé conversaram bastante com eles e só depois Jessé convidou-nos a prosseguir viagem, tendo à frente aqueles dois homens enormes, quase gigantes.

-Quem são eles? perguntei a Juanito.

-Os guardiões do Vale dos Tatuados.

-Quê? Vale dos Tatuados?!

-Sim, estamos nos dirigindo para lá.

-Agora é que a coisa vai esquentar! - falei.

Todos me olharam. Abaixei os olhos e continuei andando. Quando nos aproximamos daquele estranho lugar, pareceu-me que não havia pessoas, porém os dois guardas empurraram uma parede rochosa, que se abriu. Com espanto, percebemos que era uma gruta, com pouca luminosidade. Muitos ali cantavam estranhas canções e o odor era terrível. Pensei: “este é o inferno tão falado no mundo físico”.

-Aqui é o Vale dos Tatuados? perguntei.

-Sim, aqui é o vale deles.

-Jessé, mas existe tatuado boa gente. Mesmo assim ele vem para cá?

-Não. Aqui se encontram os comprometidos. Porém, todos aqueles que estragaram sua roupa perispiritual terão de pagar ceitil por ceitil.

-Como assim? Pode explicar?

-O perispírito é a veste do Espírito e o corpo de carne é a veste do perispírito, quando o homem está encarnado. Se agredirmos o corpo físico, o perispírito é agredido. Olhe aquele grupo ali: seus componentes tatuaram todo o corpo; corpo e perispírito foram agredidos.

-E por que eles vieram parar aqui, Jessé?

-Eles se agrupam, fugindo das criaturas normais. Querem chocar a sociedade.

Das tatuagens daquelas estranhas figuras saía uma fumaça escura, que muito os incomodava.”


Ainda caminhamos por aquele estranho lugar, onde Espíritos viviam como se ainda fossem encarnados. Andavam em bandos, maltrapilhos, sujos e despenteados.” (...)

As cidades trevosas são vales sem luz, sem água, sem esgoto. Nelas o Espírito vive como se fosse um animal.”



-Quando vocês desencarnaram, arrependeram-se de ter acabado com a pele do corpo físico? Vimos que o irmão está todo tatuado.

Ele olhou o seu corpo e falou:

-Curti, certo? E continuarei curtindo as pinturas feitas na minha pele, mesmo que hoje elas me queimem o Espírito.

-Como? Queimam seu Espírito?

-Claro, seu trouxa. Aí é que mora todo o mal. Dizem os filhos do Homem que nós agredimos o nosso perispírito e só fazendo boas ações veremos apagadas todas essas estampas. Assim dizem eles – falou, dando risadas. - Será que hoje, conversando com você, baixinho, não vou ter uma parte das minhas tatuagens apagada, da qual eu gostaria de me livrar de vez?”

Naquele lugar deparamos com criaturas as mais estranhas; aquelas que, levadas por modismos, tentaram agredir a sociedade. A tatuagem, que antes era usada somente por presidiários, hoje é modismo. Quanto aos piercings, encontramos jovens com a boca repleta deles, coisa de causar espanto.”(...)

-Você vai ao plano físico?

-Claro, e gosto por demais de ficar intuindo os caras que fazem tatuagens, para que sejam mais criativos, pois nada mais careta do que tatuador sem criatividade.

Reparei como havia mulheres naquele lugar, e jovens, bem jovens, com o corpo todo marcado. Aquele Espírito parecia estar gostando de conversar conosco e falou que adorou se tatuar, porém não suportava piercings:

-Esses, sim, acho uma agressão ao meu corpo. Olhe aquele ali: morreu de câncer na língua, tantos piercings colocou nela.

-Irmão, você não pretende sair daqui?

-Eu saio. Vivo na Crosta com a turma da pesada. Mas você fala em deixar este lugar de vez? Não, não desejo. Porém, se os filhos do Homem nos expulsarem daqui, sairemos sem guerra, somos da paz.” (...)


-Notamos que aqui não há Espíritos com pequenas tatuagens, quase todos as têm no corpo inteiro. Confesso que não entendi o porquê desse lugar existir.

-Esse lugar, como outros, é escolhido de acordo com a vibração do Espírito.”


Irene Pacheco Machado, médium, Luiz Sérgio, Espírito. “Mais Além do Meu Olhar”, cap. 6.